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terça-feira, 31 de maio de 2011

AS ORELHAS

Eu sou muito sabido!

Faz tanto tempo que comecei que nem lembro mais quando foi exatamente. Fiz dois anos de pré-escola; oito anos do que se chamava de primeiro grau; três anos do que se chamava desegundo grau; quatro anos de universidade, o terceiro grau; fiz pós-graduação. Ora bolas, eu sou muito graduado. Eu sou muito sabido!

Sendo estudado assim, eu penso! E penso muito!

Quem é graduado assim e pensa tanto quanto eu, tem que ter seus pontos de vista. E deque adianta ter seus pontos de vista se você concordar? Pra mostrar que penso e tenho pontos de vista, eu tenho que discordar, porque concordar é pra quem só sabe falar baixo.

Discordando, intervindo e esperneando, vou empurrando meus pensares. Vou clarificando, confundindo e turvando crenças e certezas alheias. É assim que faço valer meus títulos, nem que pra isso tenha que invocá-los, retirando-os da parede suja para erguer-lhes sobre a cabeça (seguindo pela placa indicando o seguinte round da luta). A luta continua,

companheiros!Viver é lutar.
Não viu meus quadros de aviso?

Não captou a mensagem escancarada na expressão do meu nariz empinado? Não soube ler meu olhar superior de pensador titulado, graduado e capacitado? Não entendeu o significado guardado no ritmo marcante e compassado dos meus saltos altos? Não compreendeu meu pavoneamento? Então vou atropelando. Vou esticando o dedo e levantando a voz. Ameaçando com o olhar esbugalhado e as veias saltadas do pescoço.

Encho o pulmão e arregaço o nariz.

Fala baixo senão eu grito!
Eu falo mesmo! Eu não escuto.

Já pensei, já decidi, já me expressei. O resto do mundo que jogue confete, concorde, aceite, aplauda. O seu pronunciamento é só a folga que eu preciso pra me reorganizar, rearticular e depois despejar outra leva de verdades e de declarações. Nem ouvi o que você disse. Eu não pergunto. Já sei. Se não sei, invento.

Eu não escuto, sou sabido!

Diz o ditado que enquanto um burro fala o outro abaixa as orelhas. Não abaixo, não escuto, não aguardo. Vou derramando declarações sobre declarações, verdades sobre verdades,afirmações sobre afirmações. Todas amarradinhas em lógicas próprias. Lógicas fundamentadas em frases soltas, sequestradas dos livros de autores consagrados. Clichês.

E no meio de tanta algazarra, vou falando mais alto e me fazendo ouvir. Pouco me
importa se houveram outras razões mais próprias ou mais viáveis. Saio gastando meu melhor
sorriso e o resto da minha euforia, reafirmando e repetindo meus posicionamentos. Vou me
cercando dos meus iguais de pensamento e recebendo elogios rasgados. Eu gosto de elogios, eu sou sabido!

Ganhando no gogó vou fazendo meu caminho, vou impondo minhas certezas e espalhando minhas convicções. Não conheço outras verdades, não saberia viver com elas. Construindo meu castelo de sal, me aquartelo nele e nele me defendo de toda opinião contrária. Gasto o tempo construindo pedestais, torres, masmorras e calabouços – todos como quartos de hóspedes. Não perco tempo com pátios, salões ou jardins. Apreciando a minha obra vou rezando para que não chova.

Esta é apenas uma crônica canalha que não tem a menor pretensão de refletir, reproduzir ou macaquear fatos reais. Uma ficção descompromissada. Qualquer semelhança com o mundo real terá sido produto da imaginação fértil do leitor e o autor não se responsabiliza por divagações alheias.

Rubens Soares de Oliveira
Humaitá, 18 de março de 2011.


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